Ao longo dos séculos palavras como sodomita, pederasta, pervertido, homossexual, lésbica, doente, dentre tantas outras, rotularam pejorativamente homens e mulheres que ousavam amar alguém do mesmo sexo. Uma forma de repressão àqueles que insistiam em contrariar as regras sociais.
Estudos revelam que o relacionamento entre indivíduos de mesmo sexo ocorre desde os primórdios da humanidade em várias regiões do globo terrestre. Mas então por que em pleno século 21 ainda existe preconceito e relutância em aceitar o homossexualismo que outrora já fora tão praticado, respeitado e até incentivado? Por que é tão difícil aceitar um beijo, um abraço ou qualquer manifestação pública de carinho entre os homossexuais? Analisemos então um pouco a história para tentarmos entender de onde vem tanta intolerância e preconceito.
Há registros que mostram que os homens pré-históricos relacionavam-se entre si sem distinção entre homem ou mulher, até perceberem que desta forma não havia procriação. Isso a 10.000 anos atrás, portanto, vê-se que a homossexualidade é algo tão antigo quanto o próprio ser humano e até natural do ponto de vista cultural. Segundo Spencer (1999), os jovens de certa tribo pré-histórica seguiam um ritual de passagem para a vida adulta que consistia em serem penetrados pelos tios maternos, sabendo que o esperma do tio era essencial para se tornarem homens fortes.
Ainda no quesito cultura, vale lembrar da Grécia e de outro ritual de iniciação que consistia na relação sexual entre meninos e homens mais velhos. O mancebo que não passasse por este ritual de iniciação sexual era considerado um pobre coitado. E em muitas cidades gregas aqueles que não escolhiam um jovem para ser seu amante era punido pelas leis locais.
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Representação do amor grego entre o filósofo e seu aprendiz. |
Os gregos acreditavam que o verdadeiro amor só existia entre pessoas de mesmo sexo. Aristóteles afirmou em sua obra intitulada Ética, a ideia de que ”o amor e a amizade são plenas somente entre os homens.” Sob esta ótica em Esparta os soldados eram incentivados a se relacionarem entre si, mais que isso, eram incentivados a se amarem, constituir relações, pois acreditava-se que assim o exército ficava mais unido e que um homem apaixonado jamais abandonaria o parceiro no campo de batalha.
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Pintura em vaso grego |
Enquanto que em Atenas filósofos e aprendizes trocavam experiências tanto intelectuais como sexuais com o aval e orgulho dos pais dos jovens. Também havia casos de mulheres mais velhas que se relacionavam com jovens meninas, mas nem todas as cidades gregas viam esse tipo de relacionamento com bons olhos porque havia preconceito e repulsão pelo prazer feminino e muitas vezes elas eram consideradas depravadas.
Na Roma antiga, a prática homossexual também era bem vista e corriqueira entre os jovens e seus tutores. Mas com a queda desse império e a difusão do cristianismo e suas leis, a ideia do sexo entre iguais acabou virando pecado mortal. Lembremos do exemplo bíblico das cidades de Sodoma e Gomorra, onde se praticava o sexo livre e que por isso foram castigadas pela ira divina, vindo a salvar-se apenas uma família honesta diante dos ditames da Igreja Cristã.
A Igreja Católica vem instituir que a única função do ato sexual é a procriação. Então acabou-se o amor, acabou-se o prazer, acabou-se a liberdade. O líquido precioso (o sêmen) só poderia ser usado com fins de procriação, ou seja, nada de masturbação solitária. E inovar nas posições nem pensar! Ou a mulher corria o risco de enlouquecer ou era uma depravada. Sentir prazer então estava fora de cogitação, era coisa do demônio.
Os rígidos ditames católicos vieram para repreender muitos hábitos culturais de vários séculos em todas as regiões em que foi disseminado. Mas nem por isso antigos costumes deixaram de ser praticados. Agora eles adquiriram caráter desonroso, doentio e pecaminoso.
Durante anos até os livros que expressavam o prazer, os ditos livros para ler com uma só mão, retratavam casos homossexuais que atiçavam a libido masculina, mas também o pecado, o medo e o arrependimento predominavam nas narrativas. Por exemplo na estória “AMAR, GOZAR, MORRER”, que fala sobre as experiências da jovem Amélia que tem sua iniciação sexual com a sua mãe adotiva, uma bela e jovem condessa. Eis abaixo um trecho do livro:
“Oh! Deuses imortais, meu desejo realizara-se. Os seus lábios tocavam-me pela primeira vez, a mais sensível parte do meu ser. Junto da minha boca tinha a condessa sabido colocar idêntico lugar. Os lábios rosados, semiabertos, pareciam sorrir-me unindo-se-lhes aos meus. (...) Então sucederam-se as convulsões, os suspiros, os êxtases. Então não podendo articular uma só palavra, sob a pena de nos privarmos de tanto gozo, concentrávamos toda a nossa atenção naquele ponto. Sentia-me desfalecer, a língua da condessa matava-me. (...). O prazer era superior às nossas forças e caíamos desfalecidas sem poder articular o mais breve som.”
E a condessa aconselha Amélia:
“Os combates do amor foram criados para os indivíduos do sexo contrário. Esses cansam, fatigam, mas não matam... Foge das mulheres minha filha, tens em mim um terrível exemplo, sofro muito, ... muito.”
Muitos homens e mulheres famosos na história foram perseguidos e punidos por causa de sua opção sexual. No intuito de se adequarem aos ditames agora estabelecidos pela sociedade e incorporados do cristianismo, muitas pessoas deixam de ser quem realmente são para assumir um papel que seja aceito pela sociedade e com isso sofrem calados tendo de se esgueirar pelas sombras para satisfazer seus desejos e exprimir seu amor.
As punições para o “crime” do homossexualismo iam da prisão e trabalhos forçados ao assassinato. Um caso conhecido é o do célebre escritor Irlandês Oscar Wilde, homem culto, com carreira promissora, famoso, respeitado por todos, rico, invejado e bem casado, vê sua vida desmoronar quando seu caso de amor com o jovem Lorde Alfred Douglas vem a tona em Londres. Wilde foi preso e condenado a 2 anos de trabalhos forçados na prisão. Por qual crime? Por cometer atos imorais com diversos rapazes. Wilde terminou seus dias em Paris sozinho, pobre e doente. A intolerância fez sucumbir um brilhante escritor no auge de sua carreira.
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Oscar Wilde |
Outro exemplo de intolerância é o dos poetas franceses Arthur Rimbaud e Paul Verlaine, o primeiro um espírito livre, astucioso, rebelde e muito brilhante, um verdadeiro gênio fulgaz e arredio. O segundo era um boêmio errante na vida que se descobre na poesia, mas que ainda se encontra muito preso ás convenções sociais da época. O s dois têm um caso de amor explosivo, mas a inquietude de um e a covardia de outro os levaram a sucumbir tanto social quanto psicologicamente. Verlaine vai preso e é condenado por pederastia. E Rimbaud segue errante e solitário para o deserto se dedicando aos poemas, vindo a morrer em consequência de um tumor no joelho que o levou a amputar uma perna. Dois talentos que também pereceram por conta da repressão.
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Verlaine e Rimbaud |
E como eles tantos outros, conhecidos ou não, ainda hoje sofrem por não conseguirem expressar abertamente seus sentimentos, seja por medo ou vergonha de não serem aceitos por seus pais, amigos, pela sociedade em geral e sobretudo por não se aceitarem, por achar que são diferentes ou doentes. Muitos sofrem durante anos por não se aceitarem, tentam de todo modo adequar-se ao modelo padrão da sociedade (hetero) para conseguir aceitação achando muitas vezes que podem ser felizes representando algo que não lhes é próprio, apenas no intuito de se encaixarem no modelo imposto.
É preciso que o ser humano solte as amarras do preconceito e da intolerância e exercite o respeito ao próximo. Hoje não há punições legais para o homossexualismo, porém há ainda a punição psicológica, a autopunição, a não aceitação e os crimes homofóbicos.
Ainda temos um bom caminho a percorrer até que esse tema deixe de ser tabu para tornar-se corriqueiro e normal. Vale muito a pena conhecermos o princípio de tudo para que assim possamos entender e elaborar nossas próprias opiniões acerca de todo e qualquer assunto.